quarta-feira, 24 de março de 2010





Há filosofia no BBB? O BBB e a filosofia.
Paulo Ghiraldelli

Por que o BBB tem espantosa audiência? Se os que estão na Casa são interessantes e bonitos e, além disso, criam um tipo de novelinha por “flashes”, por que não ver? Além disso, após um dia estafante, quem resiste a uma poltrona acompanhada de um convite para esvaziar a cabeça diante da impecável imagem da Rede Globo?
Mas os grupos ditos mais politizados da sociedade não gostam de explicações desse tipo, em que não se possa culpar alguém. A esquerda e a direita têm suas teorias.
A esquerda adora a palavra “alienação”. O sociólogo que leu algum manual marxista vocifera: “o público é vítima da manipulação da Rede Globo”. A direita tenta posar de culta: “ah, se nosso povo fosse educado, esses programas imorais não teriam vez”. Por sua vez, sempre atenta ao que imagina como sendo os “formadores de opinião”, a Globo busca anular esses pequenos grupos opositores com a fala de Bial, que é o “intelectual” da emissora. No BBB-10 (o atual), ele brindou os telespectadores com a frase “BBB também é filosofia”. Sei lá qual a razão dele ter falado isso, não pude acompanhar o resto. Ora, o BBB é filosofia? É claro que não no sentido dito pelo Pedro Bial, seja lá qual tenha sido, mas que o programa tem uma audiência explicável pela filosofia, isso é verdade.
O que é necessário notar, no caso, é como que o desdobramento da cultura, em especial a cultura moderna, chegou ao que chegou nos fazendo abraçar a TV na época do “Big Brother Brasil”.
No fundo da alma do homem moderno repousa um longo tapete, tecido por séculos e séculos. Esse tapete ganhou camadas e mais camadas, forrando a subjetividade e ao mesmo tempo forçando as paredes do espírito. Hegel e Nietzsche foram os filósofos que procuraram descrever esse processo apontando para o cristianismo, uma religião tipicamente subjetiva e, assim, bem diferente do paganismo, como um elemento de abaulamento da alma, algo que se tornou fundamental na modernidade. Heidegger, no século XX, fez mais: mostrou a modernidade como uma época em que a narrativa das ciências impera no mundo e, com ela, a idéia de que tudo pode ser dito a partir da relação sujeito-objeto. O sujeito é o que conhece e o que julga, o objeto é o conhecido e o avaliado. Não há estudante na universidade atual que, ao fazer metodologia científica, não seja posto diante dessa regra: o sujeito epistemológico e o objeto da ciência em questão – eis aí o que se tem de entender.
Nesse sentido, o BBB realmente tem filosofia. Ficamos presos ao BBB por vários motivos, mas filosoficamente ele nos ganha porque acreditamos – uns de maneira clara para si mesmos e outros apenas por impulsos formados por séculos do desenvolvimento cultural – que vamos dar de cara com a verdade dos que estão na Casa e, então, descobrir a verdade sobre nós mesmos, sobre o Homem, sobre tudo que somos na Terra. O BBB é como que um trabalho de metafísica para os que nunca se imaginaram com alguma necessidade metafísica. Não é religião, é filosofia. Não se trata de encontrar Deus. Mas se trata de encontrar um parente próximo dele, a Verdade.
Quem somos nós, afinal? Eis aí a pergunta que está lá nas entranhas das sinapses de cada telespectador que, como o Homer Simpson, segura a cerveja na mão e espera se haverá um não uma “enrabada” no BBB. Esse sentimento chulo, esse gosto pela fofoca, nada é senão uma forma que só se faz presente porque estamos envolvidos até o último fio de cabelo com a idéia de que vamos captar ali, principalmente no sexo, que é o núcleo da intimidade, o modo de seguir do dístico do Templo de Apolo, o “conhece-te a ti mesmo”.
Foucault não só ensinou isso, ou seja, como entender o BBB, mas ele também quis mostrar que essa esperança era vã. Não há nada de mais verdadeiro no “lado interno” em detrimento do “lado externo”. Somos múltiplos, e nossa cara pública e nossa cara particular e íntima não são o verdadeiro e o falso, e sim apenas lados de uma mesma moeda. Lados de uma moeda são ou ambos verdadeiros ou ambos falsos. Aliás, não somos moedas, pois não temos só duas caras – temos muitas.
Não vamos satisfazer nossa necessidade metafísica pelo BBB. Mas acreditamos tanto nisso, que assistiremos o próximo, para a felicidade do Boninho e para o regozijo de um Bial que está cada vez mais chato.


Colaborou com o texto o professor Carlos Magno, professor de historia do ensino funadamental.

Nenhum comentário:

Postar um comentário